Cresci ouvindo que “o trabalho enobrece o homem”. Meu pai, a quem devo muito dos meus valores, repetia insistentemente esta frase, mesmo que eu tivesse apenas 14 anos e estivesse longe de ser um adulto que dependesse do trabalho. Este valor, porém, ficou fortemente gravado na prática. Nesta idade, já trabalhava com ele durante o verão para ganhar um “troquinho”. Ele foi justo e remunerou-me adequadamente. Enquanto meus amigos iam para a piscina do clube curtir o verão, eu e meu irmão ralávamos carregando caixas de bebida. Ao final do mês, porém, tínhamos um bom dinheiro para fazermos o que quiséssemos com ele. Isso se repetiu por, no mínimo, três anos seguidos.
Aprendi, assim, na minha adolescência, e comprovei logo no início da minha vida adulta, que trabalho não traz apenas dinheiro, mas uma satisfação muito forte. Um senso de realização magnífico. Sigmund Freud escreveu: “Para um homem ser feliz, basta trabalho e amor”. Claro que estamos falando de um trabalho que nos estimula, que nos dá prazer. Quando assim o for, é fonte de felicidade. Mais que importante e necessário, ele é um pilar das nossas vidas. E me refiro a qualquer tipo de trabalho, desde aquele realizado por uma dona de casa, de um funcionário de uma empresa, de um profissional autônomo, de alguém que presta serviços comunitários, etc. Trabalho que, de alguma forma, traz uma satisfação para quem o realiza.
Preocupa-me, porém, quando vejo pessoas que levam a questão do trabalho tão a fundo que esquecem o outro lado da frase de Freud. Segundo ele, e conforme vejo e já experimentei, é preciso também amor. Aqui me atrevo a qualificar amor como amor por uma companheira, aos filhos, a si próprio, a saúde, ao próximo, a vida. Qualquer forma de amor que possa contrabalançar a dedicação e a energia que o trabalho nos exige.
Ninguém questiona a importância de atividades físicas nas nossas vidas. Correr, caminhar, pedalar, malhar ou jogar qualquer partida, comprovadamente, trazem benefícios para a nossa saúde e o corpo agradece. Passar dos limites nestas atividades, porém, treinando exaustivamente todos os dias, nos leva a entrar num processo de “overtraining”. Neste estágio, aquilo que deveria ser benéfico passa a ser um malefício. O saldo de energia tende ao negativo e o esporte deixa de ser algo saudável, mesmo parecendo que ainda nos mantêm felizes.
O álcool, se apreciado com moderação, pode ser elemento de descontração e aumento de sensação de prazer. Pode, contudo, se ingerido em quantidade e frequência alta, nos levar ao vício. O limite muitas vezes é tênue, mas, ao ser ultrapassado, inverte o sentido da coisa. Estamos sujeitos a ficar a alguns passos do alcoolismo, que é visto e tratado como uma doença.
Uso estes dois exemplos para chamar atenção ao fato de que o trabalho também possui uma linha tênue entre algo prazeroso, necessário, fundamental, e algo viciante, que deturpa, que pode trazer sofrimento a quem nos cerca. Trabalhar compulsivamente também pode ser visto como algo não saudável.
Não digo que não devemos focar no trabalho em muitos momentos importantes da nossa vida, da nossa carreira. Quem não ralou muito no primeiro emprego ? Quem não virou noites para fechar aquele negócio ou projeto ? Quem não dedicou finais de semana para mostrar que foi a escolha certa para aquele cargo ? Quem não trabalhou muito só para conseguir mais dinheiro ? Quem não fez tudo só para ver os filhos, os necessitados, os amigos... felizes ? Estas são situações normais da vida e vão ocorrer enquanto trabalharmos.
Estou falando daqueles que já se tornaram compulsivos em relação ao trabalho. Daqueles que esqueceram o amor de Freud, ou acham que o amor também vem do trabalho. Daqueles que, por anos, acham que podem abrir mão das relações, do cuidado da saúde, da família, do conhecimento, etc, em nome de “Não posso agora, tenho que trabalhar”. Sempre estão em estado de emergência e nunca saem. Assim como no esporte, o overtraining diminui o rendimento. Ser um “workacholic” também não significa ter a melhor produtividade e nem ser o mais eficiente.
O corpo tem limites e estes limites vão encurtando com os anos. As relações humanas tem limites e, para não diminuirem, precisam ser cultivadas. Saber equilibrar trabalho com os demais aspectos da vida é uma virtude e deve ser festejada. As empresas também se beneficiam deste equilíbrio e, aquelas que estão a frente no seu tempo, incentivam esta atitude em seus colaboradores. A Betania Tanure, em seu livro “Executivos: Sucesso e (In)felicidade”, aborda com maestria os desafios na busca do sucesso pelo trabalho e o equilíbrio com a vida pessoal. Da resolução desta equação resulta a felicidade ou a infelicidade.
Antes de cruzar os limites, vale a pena buscar o equilíbrio.