domingo, 6 de fevereiro de 2011

Dois em três não é ruim


Tem uma música famosa do cantor Meat Loaf (Bat Out Of Hell – 1977) entitulada “Two Out Of Three Ain’t Bad”, que traduzo livremente para “Dois Em Três Não É Ruim”, a qual sempre gostei e, até hoje, quando a escuto, fico pensativo. Para quem não a conhece, as três coisas que ele se refere são: querer, precisar e amar. O personagem da música brada que ele quer a mulher, que ele precisa dela, mas que chamais irá amá-la e que ela deve se contentar, pois dois em três não é ruim. Uau! O enredo da música tem mais detalhes, mas essa questão de dois em três não é ruim me deixa sempre muito intrigado. Seria perfeito se ele oferecesse três em três para ela ?

Vejamos. Ele diz que a quer. O que seria querer ? Um desejo ou uma vontade ? Tem diferença entre desejar e ter vontade de ? Tem sim. Todos nós temos desejos. Eu gostaria de ter um Porsche Carrera, de dar a volta ao mundo em 80 dias ou de só curtir a vida. São exemplos de desejos. São visões de coisas que almejamos, vindas do subconsciente, mas que não necessariamente se transformam em ação. Vontade, por sua vez, é uma força e carrega uma ação. Quando temos vontade de algo, sempre parte de um desejo, mas já processamos e passamos a colocar ações em cima, impulsionadas pelo nosso ego. Querer ser um executivo de uma companhia e por isso trabalhar bastante e fazer um MBA é um exemplo de uma vontade. Ela carrega ações.

Querer, para mim, está associado a uma vontade e não a um desejo. O personagem da música, ao dizer que quer aquela mulher, está dizendo que tem mais que só um desejo. Ele é levado por uma força que o impulsiona para estar com ela, pois a admira, acha-a bonita ou ela possui qualquer outro conjunto de qualidades que realmente o movem para estar perto dela. Ele acredita que vale a pena estar com ela. O querer carrega bastante um lado racional. Existe uma lógica por trás e não é só um desejo sem conseqüências. Quando queremos algo, partimos de um desejo e colocamos nossa racionalidade para determinar que devemos colocar ações em busca dele.

O segundo ponto levantado pelo personagem é o fato de ele dizer que precisa dela. Bem, se está falando de um momento da vida dele que ele está muito por baixo e precisa do apoio dela ou se ele está com dificuldades financeiras e, temporariamente, precisa do suporte dela para ir levando a vida, ou se ele precisa do apoio dela para criarem um filho que tenham em comum, são situações que o “eu preciso” faz sentido. Agora, se for uma situação duradoura ou eterna, devo discordar. Ninguém deve precisar de alguém para viver. Excetuando as crianças até se tornarem adultos ou os idosos com o avançar da vida, ninguém deve precisar de outrem, eternamente ou por um período longo de tempo, para viver. Somos seres autônomos e perdemos o cordão umbilical quando nascemos. Passado o período da infância, temos que ser capazes de viver sozinhos, com a ajuda de outros sim, mas não eternamente dependentes.

O terceiro ponto, e bem aquele que ele não consegue oferecer a mulher, é o amor. Este sentimento que ninguém controla, mas que é capaz de controlar nossas vidas. Quem nunca o sentiu de verdade, não sabe a força que ele tem para transformar nossos destinos. É um sentimento que poucos conseguem explicar de onde vem, quando termina ou se termina ou não. É este sentimento que o personagem não consegue oferecer a ela, pois este ele não controla. Não escolhemos quem vamos amar, quando e porquê. Terapeutas dizem que o amor são projeções. Poetas dizem que são dádivas. Independente da escolha em quem acreditar, sempre será algo que fascina e que move montanhas.

Dá para amar e não querer ou precisar ? Dá para querer e precisar sem amar ? Dá para precisar e não querer e nem amar ? Ou se ama tem que querer e precisar ? Como ficamos ? E se for um em três ? Quantas questões ! É assim que sempre fico, mas hoje tenho uma opinião clara sobre este dilema.

Ah, o amor ! Quanta força ele tem por si só. Para muitos, basta amar que o resto vem a reboque. Isto, porém, pode ser verdade quando temos 15, 20 ou 25 anos. Nossas bagagens estão quase vazias, tipo início de viagem. Por si só a força do amor nos leva a qualquer lugar. Acho que nessa altura da vida, se fosse este o Um, não precisaria  dos outros Dois e estaria tudo ótimo. Não é bem assim quando se está na segunda metade da vida.

Não basta amar. Tem que querer. Parece óbvio, mas quando já temos uma bagagem grande de vida e cada escolha leva a uma ou mais renúncias, o amor por si só pode não ser suficiente para mover uma pessoa. Se o seu lado racional, representado pelo querer, não ajudar, o amor pode não bastar. Querer alguém para que este possa nos ajudar a ser uma pessoa melhor, para crescer na vida ou para compartilhar experiências de maneira racional e consciente é algo que passa a ter importância na vida mais madura. E seu peso aumenta para a tomada de descisão a favor da pessoa que se quer. Só querer, porém, sem amar, também pode levar a uma vida sem emoções e com decisões muito racionais. A vida é muito curta para se deixar tudo para o seu final.

Quanto ao precisar, bem, acho que já deixei claro que acho que não deveríamos precisar de alguém para viver. Mas isto, com o avançar da vida, pode mudar. Sem dúvida, quando nos aproximamos da fase final das nossas vidas, vamos repetindo o início delas e podemos nos tornar novamente dependentes. Mas, no auge da fase adulta e bem antes da fase terminal, acredito que deveríamos lutar para conquistar a nossa independência. É missão de cada um atingir este estágio.

Concordo, portanto, que dois em três não é ruim. É, na verdade, o melhor deles. Se eu fosse reescrever a música hoje, acho que ela ficaria mais ou menos assim: “Te amo, te quero, mas não preciso de você”. Acho que deixaria a relação mais forte e não permitiria que ela caísse no conformismo. Fácil falar, difícil encontrar. Tudo isto deve ser visto e pensado, porém, com o tempo de cada um em perspectiva.